Depois da conversa com o meu colega resolvi ir falar com o P. Hoje ia ter aulas com ele à tarde e como Director de Turma achei melhor falar com ele antes de fazer mais alguma coisa. Aliás, eu tenho para mim que, estando no 11º ano, já há coisas que os alunos podem responder e resolver por si próprios sem precisar dos pais. Acresce a isto o facto do P. sempre ter sido um aluno sossegado como eu já disse, e antes de fazer alguma coisa eu queria ouvir primeiro a versão dele.
Antes disso encontrei uma professora que também dá aulas à minha turma e mencionei o que se passou e ela diz-me:
- Ah mas tu não sabes? O P. anda com problemas em casa. Parece que a mãe enganava o pai e o pai descobriu e houve uma grande confusão. Pelo menos era disso que eles estavam a falar na terça feira.
Não eu não sabia. E comecei a ver os contornos da situação. Lembrava-me vagamente da mãe do P. e lembro-me dele falar no pai como alguém um pouco autoritário.
Á tarde, comecei a dar a aula e reparei que o P. se distanciou um bocado dos colegas, quando normalmente eles entravam todos juntos. Não fiz comentários e esperei até a meio da aula (normalmente, dou sempre 5 minutos de descanso a meio da aula) e disse:
- P., por favor, preciso que chegues ali fora comigo. Tenho que te dar uma palavrinha.
Ele levantou-se sem dizer nada, nem olhar para os colegas, e reparei que alguns colegas, entre os quais o A. riram-se furtivamente. Fiquei irritado mas não disse nada.
Saímos os dois e eu disse:
- Já sei o que se passou ontem na aula do professor G.
Ele não disse nada. Eu continuei
- Já ouvi a versão do professor. E agora quero ouvir a tua.
Ele continuou mudo e calado.
- P. se não me disseres o que se passou eu vou ser obrigado a chamar a tua mãe e então vais ter que contar o que se passou à frente dela.
Finalmente o rapaz vira-se e diz
- Então ainda não telefonou à minha mãe?
- Não. Quero ouvir a tua versão primeiro. Já estás numa idade em que podes explicar as coisas por ti próprio.
- O A. estava sentado ao pé de mim. Eu e ele nunca nos demos muito bem e deve ter sido por isso que o
stor G. nos pôs juntos na mesma mesa para não falarmos. E então ele começou a provocar-me e eu passei-me.
- Provocou-te? Como?
O rapaz hesitou e naquele momento tive pena dele.
- Ele chamou nomes à minha mãe...e ao meu pai.
Acenei e não disse mais nada.
-
Ok. Está bem. Entra lá.
- O
stor vai chamar a minha mãe?
- Não. Por agora não. Mas tenta controlar-te. Ás vezes as pessoas dizem coisas que não devem dizer. E nós sabemos que essas coisas são estúpidas e não são verdade. Mas não podemos partir para a violência. Isso não resolve nada. Além disso, os teus amigos, amigos verdadeiros nunca te diriam uma coisa dessas.
- Pois mas pensaram.
- Pensam agora. Quando vocês forem adultos vocês vão perceber que as coisas não são assim tão preto e branco. E outra coisas que tens de perceber é que numa sala de aula não podes ter aquelas atitudes. Se estavas incomodado com o teu colega pedias ao professor para te mudar de lugar.
Ele não me respondeu e entrou de novo para a sala. Eu fiquei cá fora, a sentir-me ainda mais irritado. Não podia evitar dar-lhes um sermão. O professor é também um educador mas também tenho alguma relutância em falar destas coisas aos alunos.
Entrei dentro da sala e com voz forte disse:
- Sentem-se todos quero falar com vocês. - Como sempre demoraram horas para se sentar. Eu esperei pacientemente, mas contudo sentia-me cada vez mais enervado.
Sentaram-se e eu comecei
- O que se passou ontem na aula do Professor G. foi uma vergonha. Mas mais vergonhoso ainda foi o que levou ao que aconteceu. Vocês que aqui estão tem 16, 17 anos. Já tem idade para perceber certas coisas. Já tem idade para pensar e calar. Já tem idade para ter bom-senso e sensibilidade o
suficiente para agirem de maneira diferente. E infelizmente não tem. Eu vejo-vos ás vezes, a olhar para vocês próprios e a pensar que são adultos. Mas o que aconteceu mostra-me que não são. Para o serem tem que dar provas disso mesmo. Ontem alguns de vocês portaram-se como se tivessem 8 anos. E eu aviso-vos já e é a última vez que vou falar sobre isto: se este tipo de cenas se repete, especialmente se se repetir dentro de uma sala de aula, sim porque as salas de aula não são lugares para resolver querelas pessoais, eu chamo cá os vossos pais e certifico-me de que vos é instaurado um processo disciplinar. E isto vale para todos. - Frisei fixado os meus olhos no A. que já não tinha vontade de se rir.
Ninguém disse nada e eu continuei a minha aula.
Sinceramente, não sei se procedi da melhor maneira. Raramente me meto nos assuntos pessoais dos alunos. Normalmente até evito. E irrita-me quando eles trazem esses problemas para a sala de aula. Mas, por motivos pessoais, estas "cenas" são precisamente o tipo de coisa que me incomoda. Vamos lá ver se esta história não tem mais episódios. Espero sinceramente que não.
(Os diálogos estão ligeiramente modificados pois a minha memória não me permite lembrar de todos os pormenores. Mas está o mais fiel possível ao que aconteceu)